agosto 25, 2006



OBSESSÃO DO MAR OCEANO

Mario Quintana

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

agosto 20, 2006


MENINO TRISTE

Carol Schneider

Vá ao encontro das nuvens errantes...
Nelas, encontrarás os sorrisos guardados,
os olhares furtados e os amores abortados.
Deixe, menino, que de ti se aproximem todos que te amam
E assim, no fundo d'alma, todo teu ser se iluminará
e sentirás o torpor do mais sublime sentimento...
E mutado a sorriso será teu triste semblante!

Poema resposta da amiga Carol,
ao Nuvens Errantes.

agosto 19, 2006


NUVENS ERRANTES

Hay

Porque afinal é tão distante?
Amor nenhum mais lhe alcança
Não deixa esse sentimento se aproximar
Mas sua falta lhe dói lá fundo da alma
Como aconteceu isso?
Onde foi o menino sempre sorriso?
E agora quase sempre triste!
Seriam saudades, mas do que?
Das nuvens errantes?

agosto 17, 2006


COMO É POR DENTRO OUTRA PESSOA

Fernando Pessoa

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

agosto 16, 2006


EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS

Mario Quintana

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar os olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel.
Trago-te palavras, apenas...e que são escritas
do lado de fora do papel...Não sei, eu nunca soube
o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente de puro, ao
vento da Poesia...
Como
uma pobre lanterna que se incendiou!

agosto 11, 2006


AS MÃOS DE MEU PAI

Mario Quintana

As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
- como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre
[cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza
[que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços
[da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
[vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los
[contra o vento?
Ah! como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das
[tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos
[nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida
... e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.

agosto 07, 2006


LILI

Mario Quintana

Teu riso de vidro
desce as escadas às cambalhotas
e nem se quebra,
Lili,
meu fantasminha predileto!
Não que tenhas morrido...
Quem entra num poema não morre nunca
(e tu entraste em muitos...)
Muita gente até me pergunta
quem és... De tão querida
és talvez a minha irmã mais velha
nos tempos em que eu nem havia nascido.
És a Gabriela, a Liane, a Angelina... sei lá!
És a Bruna em pequenina
que eu desejaria acabar de criar.
Talvez sejas apenas a minha infância!
E que importa, enfim, se não existes...
Tu vives tanto, Lili! E obrigado, menina,
pelos nossos encontros, por esse carinho
de filha que eu não tive...

agosto 03, 2006



MORRE LENTEMENTE

Pablo Neruda

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não
ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem
não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do
hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não
conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o
negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um
redemoinho de emoções justamente as que resgatam o brilho dos
olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um
sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da
sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de
iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não
responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Morre lentamente...

agosto 02, 2006


A ARTE DE SER FELIZ
Cecília Meireles

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio,
ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela,
uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente,
que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

A IDADE DE SER FELIZ
Mario Quintana

Existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época
na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos
e ter energia bastante para realizá-los a despeito de todas as
dificuldades e obstáculos.
Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver
apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade sem medo
nem culpa de sentir prazer.
Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa
própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores
e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.
Tempo de entusiasmo e coragem em que todo desafio é mais um
convite à luta que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo
NOVO, de NOVO e de NOVO, e quantas vezes for preciso.
Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se PRESENTE
e tem a duração do instante que passa.