março 22, 2007



POEMA DE OUTONO


Lique

O vento soprou
Tão doce e sereno
Tocou-me ao de leve
Girou sentimentos
Dormentes, silentes
Que em voo rasante
Tocaram o chão

O fundo da alma
Fez-se de cor de ouro
Castanho ou laranja
Deu frutos já secos
De um doce amargo
Surgiu o Outono
No meu coração.

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março 19, 2007


O AMOR ANTIGO

Carlos Drummond de Andrade
(Amar se aprende amando)

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige, nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

março 16, 2007



TELHA DE VIDRO

Rachel de Queiroz

Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...

Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que — coitados — tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!

março 14, 2007


O CORAÇÃO SE REDIME

Marta Gonçalves

Maurício chegou nas nuvens
andava entre velhos eucaliptos.
Trazia na pele a quentura do mês
de janeiro. Me olhava manso. O chapéu
longo escondia a cor dos olhos. Era
longa a viagem de Maurício. Suas
mãos buscavam o sol. Sempre o sol.

Na tarde morna Maurício desenhou
um leque, depois outro, dezenas.
Neste desenhar ficou longe a sombra
do rosto.

A ferida nas mãos fechou nas asas dos pássaros.
Os leques ficaram esquecidos. Uma ternura passava
na alma. A dor morreu na pele. Maurício andava no mundo
com um velho violino. Crescia meu corpo. Nas manhãs de chuva
o coração se redime. A lucidez volta nos olhos e vejo Maurício
nas nuvens.

março 06, 2007


BELO BELO I

Manuel Bandeira

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

março 03, 2007


CONSOLO NA PRAIA

Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.