abril 28, 2007



O SEMEADOR

(Tradução: Elpídio de Toledo)

De Schiller

Vê, confias com total esperança
na terra das douradas sementes,
e feliz esperas na primavera
que a semente germine.
Por ter medo do tempo pensas
de fato semear em ti
somente a que, semeada pela sabedoria, em silêncio
para a eternidade florescer?


DER SÄMANN.

Von Schiller

Siehe, voll Hoffnung vertraust du der
Erde den goldenen Samen
Und erwartest im Lenz fröhlich
die keimende Saat.
Nur in der Furcht der Zeit bedenkst
du dich Thaten zu streuen,
Die, von der Weisheit gesät, still
für die Ewigkeit blühen?

abril 25, 2007



CAMALOTES

Raquel Naveira

Na cheia
Os camalotes bóiam,
Estufados corpos aquáticos
Que a correnteza leva;
Conjunto de leques duros,
Verdes,
Que se dissolvem no silêncio;
Aqui e ali um buquê de flores
Arrebenta lilás;
A malha fina de raízes
Apanha peixes,
Escamas,
Pés delicados de pássaros que pousam;
A canoa de folhas
Navega sem leme
Rumo à foz,
À pedra,
Ao mar que espreme
E espuma.

abril 13, 2007



A CONCHA

Vitorino Nemésio

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa. . . Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.

(Poesia, 1935-1940)

abril 01, 2007


DO OUTONO

Licínia Quitério

Veste um fato arroxeado
cor de súplica.
Talvez pela manhã
se pudesse dizer acastanhado.
Lavrado de ogivas
e de mãos em estrela.

Sobre a terra gretada
e as pedras ainda mornas,
verte promessas de frescura.
Segreda destinos às aves de viagem.
Conduz as mãos dos homens
no afago de telhados e janelas.
Ensina as conchas da ternura
aos amantes cansados das areias.

É um tempo amável,
para ser lido nas heras
irmãs dos velhos muros,
nos frutos caídos de muitas gulas,
no leque multicolor do sol poente.

Dão-lhe o nome de Outono.
Ele chama-me Inverno.
Como quem diz sossego
ou anúncio de sono.

É inevitável falar dele. Do Outono. Para nós, os que vivemos visitando as quatro assoalhadas da nossa casa anual.
Há quem o adore e se sinta acalmado dos excessos do Verão. É tempo bom para os contemplativos das subtis mudanças. Inspirador de poetas e músicos e pintores. Há quem o tema e pense nele como num fim de tempo.
Aqui, em nossa volta, a Natureza afadiga-se na mudança dos cenários. Sinto-lhe a respiração forte de quem tem muito para dizer. Não deve ser nada fácil preparar o arrumo dos móveis na velha e austera fortaleza do Inverno.