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POEMA DE OUTONO Lique O vento soprou Tão doce e sereno Tocou-me ao de leve Girou sentimentos Dormentes, silentes Que em voo rasante Tocaram o chão O fundo da alma Fez-se de cor de ouro Castanho ou laranja Deu frutos já secos De um doce amargo Surgiu o Outono No meu coração. http://mulher50a60.weblog.com.pt/
O AMOR ANTIGO Carlos Drummond de Andrade (Amar se aprende amando) O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige, nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença. O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza. Por aquelas mergulha no infinito, e por estas suplanta a natureza. Se em toda parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, o antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante. Mais ardente, mas pobre de esperança. Mais triste? Não. Ele venceu a dor, e resplandece no seu canto obscuro, tanto mais velho quanto mais amor.
TELHA DE VIDRORachel de QueirozQuando a moça da cidade chegou veio morar na fazenda, na casa velha... Tão velha! Quem fez aquela casa foi o bisavô... Deram-lhe para dormir a camarinha, uma alcova sem luzes, tão escura! mergulhada na tristura de sua treva e de sua única portinha... A moça não disse nada, mas mandou buscar na cidade uma telha de vidro... Queria que ficasse iluminada sua camarinha sem claridade... Agora, o quarto onde ela mora é o quarto mais alegre da fazenda, tão claro que, ao meio dia, aparece uma renda de arabesco de sol nos ladrilhos vermelhos, que — coitados — tão velhos só hoje é que conhecem a luz doa dia... A luz branca e fria também se mete às vezes pelo clarão da telha milagrosa... Ou alguma estrela audaciosa careteia no espelho onde a moça se penteia. Que linda camarinha! Era tão feia! — Você me disse um dia que sua vida era toda escuridão cinzenta, fria, sem um luar, sem um clarão... Por que você na experimenta? A moça foi tão vem sucedida... Ponha uma telha de vidro em sua vida!
O CORAÇÃO SE REDIMEMarta GonçalvesMaurício chegou nas nuvensandava entre velhos eucaliptos.Trazia na pele a quentura do mêsde janeiro. Me olhava manso. O chapéulongo escondia a cor dos olhos. Eralonga a viagem de Maurício. Suasmãos buscavam o sol. Sempre o sol.Na tarde morna Maurício desenhouum leque, depois outro, dezenas.Neste desenhar ficou longe a sombrado rosto.A ferida nas mãos fechou nas asas dos pássaros.Os leques ficaram esquecidos. Uma ternura passavana alma. A dor morreu na pele. Maurício andava no mundocom um velho violino. Crescia meu corpo. Nas manhãs de chuvao coração se redime. A lucidez volta nos olhos e vejo Maurícionas nuvens.
BELO BELO I Manuel Bandeira Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Tenho o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes. A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora. O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo grande da noite. Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Não quero o êxtase nem os tormentos. Não quero o que a terra só dá com trabalho. As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os homens. Não quero amar, Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado. - Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
CONSOLO NA PRAIA Carlos Drummond de Andrade Vamos, não chores... A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho.