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ALENTEJO Luís Filipe Maçarico Alentejo terra de vento e silêncio onde o Homem semeia a Palavra Alentejo terra de sonho e sofrimento onde o poema tem sede de flores e rios. Como quem faz um pão, escrevo à sombra das tuas oliveiras. E canto o vôo altivo das cegonhas. Esta leveza de viver em ruas brancas...
PASTORAL Mauro Mota Não disse de onde veio. Apenas veio quase flutuante pela madrugada. A flauta e um zelo musical em cada ovelha e em todas do seu pastoreio. Toca. (Para o rebanho?) A sua toada interrompe-se às vezes pelo meio. Dela não quer somente o vale cheio: quer levá-la mais longe. Quando nada houver mais dos cordeiros e dos pastos, do viço matinal, dos brancos rastos de lã, dos guizos de uma ovelha incauta, fique a lembrança do pastor fugace, que foi pastor só para que ficasse nas colinas a música da flauta.
AS PALAVRAS INTERDITASEugénio de AndradeOs navios existem e existe o teu rosto encostado ao rosto dos navios. Sem nenhum destino flutuam nas cidades, partem no vento, regressam nos rios. Na areia branca, onde o tempo começa, uma criança passa de costas para o mar. Anoitece. Não há dúvida, anoitece. É preciso partir, é preciso ficar. Os hospitais cobrem-se de cinza. Ondas de sombra quebram nas esquinas. Amo-te... E abrem-se janelas mostrando a brancura das cortinas. As palavras que te envio são interditas até, meu amor, pelo halo das searas; se alguma regressasse, nem já reconhecia o teu nome nas minhas curvas claras. Dói-me esta água, este ar que se respira, dói-me esta solidão de pedra escura, e estas mãos noturnas onde aperto os meus dias quebrados na cintura. E a noite cresce apaixonadamente. Nas suas margens vivas, desenhadas, cada homem tem apenas para dar um horizonte de cidades bombardeadas.
NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHOFernando Pessoa Não sei quantas almas tenho.Cada momento mudei.Continuamente me estranho.Nunca me vi nem acabei.De tanto ser, só tenho alma.Quem tem alma não tem calma.Quem vê é só o que vê,Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo,Torno-me eles e não eu.Cada meu sonho ou desejoÉ do que nasce e não meu.Sou minha própria paisagem;Assisto à minha passagem,Diverso, móbil e só,Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendoComo páginas, meu ser.O que sogue não prevendo,O que passou a esquecer.Noto à margem do que liO que julguei que senti.Releio e digo: "Fui eu?"Deus sabe, porque o escreveu.