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MEDITAÇÃORuy CinattiTudo imaterial na praia rasaCheia de sol, ao fim da tarde.Proa ao vento quebrada,A vaga, entre rochedos, se ilumina.É tudo imaterial, tudo neblinaTénue que aos poucos arde,Ao fim da tarde se desfaz, flutua;Nave de outros tempos se insinuaE voo de ave deslizaAo longe linha pura.Tudo imaterial na praia rasa.Aqui ninguém me vê: amo a ternura.Ruy Cinatti nasceu em Londres, em 1915 e faleceu em 1986.
O LIVRO DE NÓMADA MEU AMIGO
LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA,
LISBOA, S.D., 3ª SÉRIE, P. 219
PEQUENA ELEGIA DE SETEMBROEugénio de AndradeNão sei como vieste, mas deve haver um caminho para regressar da morte. Estás sentada no jardim, as mãos no regaço cheias de doçura, os olhos pousados nas últimas rosas dos grandes e calmos dias de setembro. Que música escutas tão atentamente que não dás por mim? Que bosque, ou rio, ou mar? Ou é dentro de ti que tudo canta ainda? Queria falar contigo, dizer-te apenas que estou aqui, mas tenho medo, medo que toda a música cesse e tu não possas mais olhar as rosas. Medo de quebrar o fio com que teces os dias sem memória. Com que palavras ou beijos ou lágrimas se acordam os mortos sem os ferir, sem os trazer a esta espuma negra onde corpos e corpos se repetem, parcimoniosamente, no meio de sombras? Deixa-te estar assim, ó cheia de doçura, sentada, olhando as rosas, e tão alheia que nem dás por mim.