setembro 16, 2007



PARQUES

Vinícius de Moraes

O tempo nos parques é íntimo, inadiável,
imparticipante, imarcescível.
Medita nas altas frondes, na última palavra da palmeira,
na grande pedra intacta, o tempo nos parques.
O tempo nos parques cisma no olhar cego dos lagos,
dorme nas furnas, isola-se nos quiosques.
Oculta-se no torso muscular do ficus,
o tempo nos parques.
O tempo nos parques gera o silêncio do piar dos pássaros,
do passar dos passos, da cor que se move ao longe.
É alto, antigo, presciente o tempo nos parques.
É incorruptível; o prenúncio de uma aragem,
a agonia de uma folha, o abrir-se de uma flor
deixam um frémito no espaço do tempo nos parques.
O tempo nos parques envolve de redomas invisíveis
os que se amam; eterniza os anseios, petrifica
os gestos, anestesia os sonhos, o tempo nos parques.
Nos homens dormentes, nas pontes que fogem, na franja
dos chorões, na cúpula azul, o tempo perdura
nos parques; e a pequenina cutia surpreende
a imobilidade anterior desse tempo no mundo
porque imóvel, elementar, autêntico, profundo
é o tempo nos parques.


Passeiam-se nos parques como gatos. Deslizando, com elegância e sem pressas. Apurando os sentidos, a reconhecer o território. Afagam o tronco de uma árvore, olham a copa e, se fosse da sua natureza, trepariam e ficariam muito serenos, deitados no garfo de dois ramos jovens. Esmagam nos dedos uma folha de lúcia-lima e cheiram-na, aspiram-na, com sensualidade disfarçada. Pontapeiam uma pinha caída no saibro do caminho, para depois, mais adiante, a apanharem e a arremessarem. Como um gato faz com um novelo. São solitários. Evitam cruzar-se com outros exploradores. Procuram tomar caminhos diversos. Debruçam-se nos lagos, molham as pontas dos dedos e não as enxugam. Às vezes passam-nas no rosto. Espiam os pássaros, detêm-se, para não os assustarem.
Os gatos, esses, aparecem de noite. É o seu tempo dos parques. É também o tempo de muitos outros bichos que viram os homens sem serem vistos. Dos mistérios dos parques só os gatos sabem. Nunca os revelarão. Os poetas sabem disso, mas continuarão a deslizar nos parques, imitando os gatos. Na esperança de um dia saberem ler o que eles trazem inscrito nas pupilas.

Licínia Quitério