O SONHO
Renata Pallottini
As coisas de sonhar não são palavras.
Como dizer que era violeta o pomar percorrido?
E do muro pesado
que separava esse pomar do outro
como hei de construir as frestas luminosas?
Se num certo momento fui levada
ao jardim do sol posto onde te contemplava
a ti, serena luz, alba serena, como
hei de dizer que o céu era dourado
sem que alianças fáceis rolem, cantem
no lajedo onde os pés pousei a medo?
As coisas de sonhar não são palavras.
Faz-se uma tentativa de segredo
e o cerrado, cerrado pensamento
incrusta-se nos olhos, pedra negra.
As silhuetas vi contra o céu claro.
Depois fugi, olhando a porta em ruínas
onde teus mortos se desencantavam.
Se não posso dizê-lo com palavras,
se não posso toma-lo nos meus lábios,
que beleza cadente é essa que espreito,
por que sei esse amor que não me é dado?
©Renata Pallottini
Chão de Palavras
Editora Círculo do Livro, São Paulo, 1977