fevereiro 22, 2007


SUAVE E TRANQÜILA

Renata Pallottini

Vinte anos passaram.
Conheço agora o trigo e as oliveiras
seu descanso e tormenta.
Tenho ouvido o rumor do mar e os cantos da montanha
e já vi cores que ninguém suspeita.

Vitrais e sombras vi nas catedrais,
sei que Deus é terrível pai preciso,
a morte cavalgada,
a agonia improviso.
Quando a luz chega é dia pelos nichos,
mas pode não amanhecer para um mendigo frio.

Sei que o amor é uma forma de pesquisa,
como quando de um pássaro o coração infinito
e pequeno parou na minha mão.
Não havia mais vôo naquele corpo vencido,
mas muito céu houvera naquele coração.

Espantei-me da terra e suas águas,
do aluvião sem margens, das lavas incontidas
e da candente voz de um canto de homem trouxe
esta lembrança que aqui jaz comigo
e que é feroz e doce.

Vi florir um cadáver,
vi chorar um menino.
Vi as árvores secas brotarem quando é tempo
e a neve recobrir os caminhos vazios.

Chorei do amor a vida, chorei do amor a morte,
vivi de muito amor e agora posso
saber muito e dizer alguma coisa.

Respeito a ruga e atendo a fronte jovem;
verdadeiro é viver como se pode
e ser alegre e simples apesar dos escombros.

Passei muitos verões a ouvir os frutos,
compreendi que eles vinham como vieste
mas tinham seu calor, que tu não tinhas.
Aceito a ausência de quem algum dia esteve,
mas partir não se pode antes de estar presente.
Ninguém testemunhou por frio e indiferente.

Vinte anos passaram, e a faca e a pedra e o tempo.
Ao longe um sol fazia seu caminho
e a lua de entre os dias ressurgia.

Envelhecias, forma empedernida.
Tão suave e tranqüila.

11-10-67