setembro 26, 2007



O RIO

Antonio Hernández

Como a pena ou como o cantar
existia desde sempre. Andava já
na montanha como um menino a que ninguém
presta atenção. Ao princípio,
levava nas suas águas toda a luz doentia.
Depois, ao fundir-se com tanta primavera,
Tornou-se luminoso como um conto.
Corria todas as tardes de maneira
diferente e, ao amparo do monte,
conseguia passar entre as pedras,
sobre a terra dura e sobre os obstáculos.
Mas estava tudo tão longe...
o mar, aquele mar sonhado com flores,
com sinos e com a aldeia agitada,
estava tão longe...
Os penedos eram duros,
e por mais voltas que fizessem
as nossas águas, por mais rodeios que fizessem
—o nosso amor, o nosso sonho, a nossa
razão de viver— perdiam por vezes
como o homem que começa a não entender
o melhor de tudo: a fé.

E há
alguns dias não estava como antes,
que com tanto alpechim e águas impuras
o rio turvava-se, perdia-se por si
como se perde uma criança com o seu jogo
mal começa. Contudo,
já tinha tantas horas de angústia,
de união, de entrega, que era impossível
separar-lhe uma gota e tornava-se
mais largo e duradoiro. Como o menino,
acabava por vencer. Era simples.
Se ao camponês o granizo lhe tira
a colheita, a raiva dá-lhe forças
para esperar uma outra. Se a um pássaro
o outono lhe rouba a ilusão, a primavera
devolve-lhe um ninho. Se uma sombra se vai,
uma luz nos chega. E aquilo
era o mesmo. O mesmo. Por mais
águas sujas que fossem para ele
numa tarde qualquer chegaria ao mar.

Tradução: Luís Filipe Sarmento

Antonio Hernández

IN: MARE NOSTRUM (1963-2003)