novembro 19, 2007



O SONHO

Renata Pallottini

As coisas de sonhar não são palavras.
Como dizer que era violeta o pomar percorrido?
E do muro pesado
que separava esse pomar do outro
como hei de construir as frestas luminosas?

Se num certo momento fui levada
ao jardim do sol posto onde te contemplava
a ti, serena luz, alba serena, como
hei de dizer que o céu era dourado
sem que alianças fáceis rolem, cantem
no lajedo onde os pés pousei a medo?

As coisas de sonhar não são palavras.

Faz-se uma tentativa de segredo
e o cerrado, cerrado pensamento
incrusta-se nos olhos, pedra negra.

As silhuetas vi contra o céu claro.
Depois fugi, olhando a porta em ruínas
onde teus mortos se desencantavam.

Se não posso dizê-lo com palavras,
se não posso toma-lo nos meus lábios,
que beleza cadente é essa que espreito,
por que sei esse amor que não me é dado?


©Renata Pallottini
Chão de Palavras
Editora Círculo do Livro, São Paulo, 1977