novembro 15, 2007



ORFEU REBELDE

Miguel Torga

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.


Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que ha' gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.


Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.


Pseudónimo do médico Dr. Adolfo Rocha.
Natural de Trás-os-Montes,
viveu e exerceu a sua profissão em Coimbra
onde faleceu no ano de 1995.
Entre muitos outros prêmios,
figura o da Sociedade Portuguesa de Escritores.
Do livro "Libertação" - 3ª. edição - Coimbra (1960)